“Gigante pela própria natureza”. Foi este o título escolhido para estampar a capa do primeiro livro do português Miguel Setas. No Brasil há 13 anos, ele tem mais de 25 anos em empresas do setor de energia e infraestrutura. Foram sete anos na presidência da companhia de energia EDP, onde também presidiu o Instituto EDP e foi membro e presidente do conselho de administração.
Neste período, acompanhou de perto a evolução da implementação de práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) na companhia. A EDP Brasil foi, por dois anos consecutivos (2022 e 2023), a líder em pontuação do Índice de Sustentabilidade (ISE) da B3.
Desde abril de 2023 à frente da CCR, grupo de mobilidade e concessão de rodovias, Setas, que se considera brasileiro, apesar de ainda não ter tirado a cidadania, quer aplicar seus aprendizados na empresa, que teve participação acionária comprada no ano passado por Itaúsa e Grupo Votorantim. Também foi anunciado porta-voz do Pacto Global da ONU no Brasil, para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11, de Cidades e Comunidades Sustentáveis.
Suas experiências foram compartilhadas nas 287 páginas do livro, que tem prefácio de Luiza Trajano e foi lançado ontem. Em um misto de histórias pessoais, pesquisas e estudos de consultorias, universidades e institutos, ele defende que o Brasil tem condições para liderar a agenda global de sustentabilidade posicionando-se como hub climático e ecológico.
No livro, deixa claro que, primeiro, os brasileiros precisam melhorar sua autoestima. “Nós, brasileiros, temos aquele sentimento de ‘vira-lata’. E eu acho que é o contrário, o país é uma potência gigante e o título do livro foi escolhido por celebrar o gigantismo do Brasil, que inclusive, está no hino nacional”. Ele aponta que, por sua diversidade de pessoas, de culturas e de territórios, é um grande “laboratório vivo” que pode testar soluções para questões ecológicas e sociais. Exemplifica com o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), que atua em nível continental, do Senai, que capacitou em 80 anos milhões de pessoas, e do projeto da Favela 3D da ONG Gerando Falcões, que incentiva o empreendedorismo em comunidades.
Foram mais de dois anos de escrita para consolidar ideias. Ao responder à pergunta sobre sua motivação em escrever o livro, o executivo comenta que morar no Brasil foi um “elemento de transformação tão poderoso” que o livro é quase um “tributo ao país”. Espiritualizado e adepto de atividades de autoconhecimento, ele admite que o fato de ter passado dos 50 anos (tem 52) também o deixou mais reflexivo sobre quais lições gostaria de transmitir a outros líderes brasileiros. Uma delas é que, cada vez mais, a liderança terá de olhar para a sociedade.
Setas trata da brasilidade na gestão. “É um país que transforma, para o bem. Me deu uma visão mais ampla, da sociodiversidade, do sincretismo religioso, do que é fazer algo em escala continental, uma visão daquilo que é verdadeiramente proteger a ecologia”.
Cita que o Sul global, e o Brasil em especial, tem uma grande área preservada, abarcando 20% da biodiversidade mundial, 12% de toda a água doce do planeta e 90% da matriz elétrica renovável. Isso, pontua, é uma vantagem para a geração que está no poder, e permite que os líderes tomem decisões para preservar a natureza.
“O Brasil tem o maior ativo ecológico do mundo e, com essa proeminência, pode ser o centro do novo modelo de pensamento ecológico. Tal como a Itália foi o centro do Renascimento, o Brasil pode ser o do novo renascimento, do renascimento verde e do pensamento de que o homem é parte da natureza”. É que denomina “Novo Humanismo Ecológico”.
Para ele, o termo “desenvolvimento sustentável” não deveria ser usado para se referir ao progresso ecológico. Levando ao pé da letra, as palavras significam o uso da natureza para sustentar o homem. Defende a troca pelo termo “evolução integral”, com a “evolução” passando a imagem de movimento e “integral” por necessitar de uma integração com todos os sistemas. “Na tríade economia-sociedade-meio ambiente, conhecida como Triple Bottom Line, o ‘econômico’ precisa passar pelo redistributivo, aliviar as diferenças sociais, e regenerativo, quando intervém para restaurar e circular”.
Um dado que ele destaca é que o Brasil pode atrair, até 2050, cerca de US$ 3 trilhões em investimentos para o meio ambiente, de acordo com estudo do Boston Consulting Group (BCG). Isso dimensiona o potencial do país em energia limpa, biocombustíveis e hidrogênio verde, indústria verde com produtos com baixa pegada de carbono e os serviços ecossistêmicos e soluções baseadas na natureza (NbS). “Essa é uma janela magnífica que o Brasil tem nas próximas três décadas”, acredita.
“O Brasil é hoje o mercado mais importante das chamadas nature based solutions [NbS], como reflorestamento, desmatamento evitado por geração de créditos de carbono, agricultura sustentável. Com isso, se bem administrado, consegue reduzir boa parte do desmatamento”, comenta.
Mas Setas reitera que isso não significa que o país não pode mais usar o petróleo e gás que tem em suas reservas, que seria quase “injusto” se isso lhe fosse imposto, mas que é preciso aproveitar suas vantagens competitivas, como a variedade de biocombustíveis e fontes de energia renovável, para fazer a transição e, no futuro, realmente deixar de contar com essa matéria-prima.
Setas diz que mapeou 12 características da nova liderança pró-ESG. Explica que, diferentemente da “multiculturalidade”, que é aceitar o fato de que há muitas culturas em um território, a “transculturalidade” compreende, respeita e absorve o que essas outras experiências têm a oferecer.
No caso de uma empresa no Brasil que tem matriz europeia, juntar a criatividade, o jogo de cintura, o espírito positivo, o otimismo e vontade de acontecer do brasileiro com a cultura de processos, organização, metodologias e compliance dos europeus.
Setas descreve quatro tipos de inteligências necessárias para a gestão. “A utilização da inteligência cognitiva é focada em agregar valor, enquanto a inteligência socioemocional foca em reputação. Já a cultura é responsável pela transformação corporativa, e a espiritual, em pensar na empresa em serviço de um bem maior para a sociedade”, afirma.